segunda-feira, 10 de outubro de 2016

São Luís Martin - Coragem

Ao  amor  de  Deus,  ao  espírito  de  Fé  e  à  Esperança  unia-se,  em  meu  Pai,  uma  extrema  e  corajosa  caridade  para  com  o  próximo.  Era  sua  nota  dominante. Se,  durante  a  noite,  o  sinal  de  alarme  anunciava algum  incêndio,  levantava-se  logo,  e  ia  para  onde houvesse  maior  perigo. Certa  vez,  contando  isso  às  minhas  companheiras, no  internato  da  Abadia,  uma  delas  exclamou:  "Em casa  dá-se  justo  o  contrário,  Papai  se  esconde  sob  as cobertas!"  Fiquei  bastante  admirada! Essa  intrepidez  bem  conhecida  de  Papai,  deixava-nos  inquietas  quando  não  o  víamos  chegar  à  hora certa.  Temíamos  sempre  que  tivesse  querido  separar contendas,  recebendo  assim  algum  ferimento,  ou  ainda  que  se tivesse  lançado  ao  socorro  de  alguma  pessoa afogada.  Era bom  nadador  e  não  teria  hesitado  em expor  sua  vida  para  salvar  a  de  outrem.  Em  sua  juventude,  tentara  vários  salvamentos,  um  dos  quais  foi particularmente  dramático.  Quase  perdeu  a  vida,  pois seu  companheiro  apertava-lhe  desesperadamente  o pescoço,  paralisando  seus  movimentos. Sempre  pensei  que  seu  gosto  pela  aventura,  indo socorrer  os  viajantes  perdidos  nas  geleiras  não  era alheio  a  seu  atrativo  pelo  Mosteiro  do  grande  São Bernardo,  retirado  nas  alturas,  longe  do  tumulto  da cidade. Considerando  as  organizações  atuais  para  adolescentes,  penso,  também  que  Papai  teria  gostado  de  ser Escoteiro se  houvesse  em  seu  tempo,  ele  que  se  alegrava,  outrora,  de  ser  filho  de  um oficial  do  exército!
Acampar  à  aventura  ser-lhe-ia  uma  felicidade! Possuía,  com  efeito,  uma  invencível  coragem,  decisão,  resistência  ao  sofrimento e energia:  era  um  verdadeiro  filho  de  oficial. É  muito  significativa  esta  carta  de  minha  Mãe, relatando  a  ocupação  de  Alençon  pelos  Prussianos, em  Novembro  de  1870 :  "Enviaram  exploradores  à  floresta.  Meu  marido  foi sábado  de  manhã  e  deveria  passar  a  noite;  todavia,  não  havendo mais  perigo,  retiraram  o  corpo  de  guarda,  de  sorte  que  ele  voltou cerca  de  meia-noite. "
"É  possível  que  os  homens  de  quarenta  a  cinqüenta  anos ainda  partam;  é  quase  certo.  Meu  marido  não  se  perturba,  absolutamente.  Jamais,  pediria  dispensa  e  diz,  frequentemente,  que se  fosse  livre,  teria  logo  se  alistado  como  voluntário."
Sua  valentia  era  notada  pelos domésticos. Uma empregada  dos  Buissonnets  relembra-a,  escrevendo ao  Carmelo: "O  Sr.  Martin  era,  sobretudo,  um  santo  e  tão  corajoso!  Não tinha medo de  nada ... "
A  verdade  é  que,  como  acabo  de  dizer,  ele acorria, logo,  a  qualquer  lugar  onde  havia  perigo. Certa  vez, em  Alençon,  indo  fazer  a  adoração  noturna  em  Notre-Dame,  encontrou  o  dormitório  dos homens  em  chamas.  O  incêndio  era  devido  ao  fogo da  lareira  que  fora  muito  atiçado.  Foi  uma  ocasião de  exercer  seu  engenhoso  devotamento,  lançando  os colchões  pelas  janelas  e  salvando  tudo  que  pôde.  As cartas  de  minha  Mãe  falam  disso. Certa  manhã  o  fogo  devastava  o  interior  de  um casebre  defronte  aos  Buissonnets, ele  foi logo ao socorro  da  velha  Irlandesa  que  ficara  sozinha  em casa  e  conseguiu  dominar  o  incêndio.  Em  casos  semelhantes  não  queria  ajudantes  e  impedia  que  se  gritasse:  "Fogo!"  com  receio  de  pilhagens.  A  pobre  mulher levantava  os  braços  ao  céu  e  pedia  em  sua língua estrangeira todas  as  bençãos  para  seu  libertador.  Fui testemunha  do  fato, quanto  ao  seguinte,  foi  contado  por  meu  Pai. 

Sua presença  de  espírito  é  ainda  notória  neste  acontecimento: Indo  à  pesca,  perto  de  Lisieux,  viu-se  às  voltas com  um  touro  furioso  que  despedaçava  sua  caixa  de instrumentos  de  trabalho,  colocada  à  pouca  distância. Apanhar  seus  anzóis  e  fugir  seria  feito  num  instante. Mas  o  animal  estava  perto  demais  e  sem  uma  manobra  tão ousada  quão  pronta  tê-lo-ia  infalivelmente derrubado.  Voltando-se  para  o  touro,  ameaçava-o, sem  cessar,  com  seu  feixe  de  anzóis.  Isso  fazia-o  recuar.  Aproveitando  o  terreno  ganho,  Papai  ia  correndo  para  frente,  renovando  sua  tática  até  chegar  à cerca  da  pastagem. Terminou  sua  narração  com  estas  palavras  :  "Agradecei  a  Nosso  Senhor,  minhas  filhas,  sem  sua proteção,  desta  vez  seria  fatal!"  Isso  mostra  o  perigo  extremo  em  que  se  achou. Nesta  ocorrência,  meu  Pai  salvara,  por  seu  sangue  frio,  a  própria  vida,  como  teria  feito  para  salvar a  de  outrem,  em  semelhante  situação.

(O Pai de Santa Teresa do Menino Jesus)

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